Acto de contrição
À medida que fui estudando a história de Portugal, sempre tive a percepção que Portugal é um país particularmente afastado, talvez por cultura ou, quem sabe, por necessidade, da arte de reflectir. Não digo, com isto, que não haja quem o faça – afinal, há até quem trace planos genéricos com propostas genéricas sobre as generalidades da governação – mas, como um todo, parece-me que sempre fomos dados à arte de atirar para trás das costas o passado e, como consequência, empurrar com a barriga o futuro.
Para perceber isto, não é preciso ir muito longe. Dou apenas dois exemplos:
O primeiro exemplo foi-me lembrado, há uns dias, com a discussão da história das FP25. Em Portugal, no país já democrático, existiram ataques armados que ditaram o pânico e o fim de vida de pessoas. Até há muito pouco tempo, este assunto pouco ou nada se discutiu. Pelo que sei e me recordo, este assunto também não é ensinado nas escolas. Isto chamou a minha atenção e penso que, para muita gente, estimulou maior pesquisa do assunto. Ainda assim, passados uns dias parece que voltou a cair no esquecimento. De facto, não conseguimos olhar a nossa história nos olhos, perceber onde errámos e daí tirar as devidas consequências como gente crescida. É, de facto, uma pena.
O segundo exemplo é mais actual e é a própria gestão da pandemia que temos entre mãos. Tenho evitado comentar sobre isto porque, não sendo um homem da ciência, tendo a deixar para os que sabem o devido comentário. Todavia, não falando particularmente da doença, parece clara a falta de planeamento do nosso governo. Dir-me-ão, então, que é impossível fazer planos a longo prazo, que tudo isto é novo e que, por isso, tem que se lidar um dia de cada vez. E têm razão. Mas o que se pede aqui não é um planeamento a longo prazo. Muito menos é algo que afecte a actuação no dia-a-dia no combate à pandemia. Aquilo que falo, e desejo, é apenas que exista a capacidade de reflectir sobre o que vivemos e, agora com a “vitamina” a chegar, arranjar uma forma de perceber tudo aquilo que nos atingiu e planear o futuro para que milhares de pessoas em situação de desespero não mais continuem nessa situação (e basta ver o achincalhamento das pessoas que ousam pensar no assunto).
Podia dar muitos mais exemplos mas penso que estes dois chegam para perceber aquilo que vos tento transmitir. Portugal, enquanto país, parece ter aversão ao acto de reflectir. Pouco pensamos, não debatemos, não montamos uma estratégia coesa e baseada nessa reflecção e, mais grave ainda, descartamos muita da discussão do nosso passado – e consequentemente do nosso futuro - para quezilas entre vítimas e agressores, entre vitoriosos e perdedores. Não somos capazes de meter a mão na consciência e compreender que enquanto não fizermos todo este debate de forma honesta para espantar os fantasmas do passado não vamos conseguir enfrentar o presente e, muito menos, o futuro.
Se não conseguimos sequer ter uma discussão sobre o nosso passado como esperam conseguir olhar para o futuro? O estado do nosso país mostra que, até hoje, não conseguimos. O futuro não logra nada de bom. Talvez seja tempo de um Acto de Contrição.
Pedro