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Non dubium pro libertate

"If liberty means anything at all, it means the right to tell people what they do not want to hear." George Orwell

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Breve reflexão sobre Belém - Parte II

29.12.20

No passado mês de março, debrucei-me sobre as eleições presidenciais de 2021. Ainda que estivesse a vários meses do momento eleitoral, compreendi que alguns cenários (para tempo ainda de campanha) se estavam a afigurar. À data, André Ventura era o único cidadão que havia oficializado a sua candidatura presidencial, mesmo que os rumores de uma “chegada à frente” de Ana Gomes se começassem a espalhar, assim como o cenário que me pareceu sempre inevitável, em torno de uma recandidatura do Professor Marcelo Rebelo de Sousa. O objetivo deste texto passa por dar continuidade a esse mesmo texto de março, “Breve Reflexão sobre Belém”, analisando o cenário atual, em sequência daquele que antevi.

Então, volvidos 9 meses, chegamos a dezembro e estes confirmaram-se mesmo como os principais candidatos a Belém: Marcelo Rebelo de Sousa, Ana Gomes e André Ventura. Juntamente a estes, apresentam-se Marisa Matias, João Ferreira, Tiago Mayan e Vitorino Silva. Assim, analisarei primeiro as candidaturas de Marcelo Rebelo de Sousa, Ana Gomes e André Ventura.

O atual Presidente da República foi bastante demorado na apresentação da sua recandidatura. A braços com o Estado em “modo de combate” à pandemia do COVID-19, Marcelo Rebelo de Sousa quebrou o impasse no início deste mês de dezembro, anunciando a sua recandidatura. Com o atual panorama nacional, a sua candidatura tem sido bastante calma (até quase ausente). Esta recandidatura foi vista com bastante naturalidade, e a sua vitória também se avizinha, com percentagens, possivelmente, na casa dos 60%, dada a mobilização em seu apoio por parte do eleitorado do PSD, PS e ainda CDS-PP (ainda que nenhum partido vá conseguir mobilizar-se como um todo para qualquer candidatura). Numa campanha extremamente atípica, Marcelo ganha ao não participar muito ativamente enquanto candidato, permanecendo apenas no papel de Chefe de Estado, ao passo que os órgãos de comunicação social atribuem, como seria de esperar, enorme atenção ao Covid, ainda para mais, com o início do período de vacinação já em curso. Isto permitirá a Marcelo manter a sua imagem num novo período de esperança. Além do mais, também beneficia com o facto dos restantes principais candidatos (principais, mas ainda que bastante afastados nas sondagens), nomeadamente, Ana Gomes e André Ventura, serem indivíduos controversos e sem capacidade de unificar. Estes tentam ganhar tempo de antena para as suas campanhas, mas as suas declarações e os seus posicionamentos tendem a não os fazer capitalizar sobre qualquer ausência de Marcelo – nas eleições presidenciais, a moderação do candidato (ainda) assume uma importância elevada.

Quanto a André Ventura, penso que o seu resultado eleitoral poderá não refletir com exatidão algum futuro resultado eleitoral do Chega!, em termos de eleições legislativas. Isto por uma razão simples: sendo óbvio que Ventura conseguirá obter um resultado bastante superior àquele que o Chega! obteve nas eleições legislativas de 2019, e sendo igualmente óbvio que este partido tem uma total personalização da figura do seu líder, não deixa de ser verdade que, em comparação, a Direita poderá estar mais “despida” nas eleições presidenciais do que nas eleições legislativas.  Ao não se verificar uma outra alternativa forte  à Direita de Marcelo, André Ventura poderia ter um trunfo, assente numa sua eventual moderação (pelo menos, seria o momento eleitoral ideal para tal), de forma a capitalizar sobre o possível descontentamento por parte de algum desse eleitorado, perante o mandato de Marcelo Rebelo de Sousa. No entanto, ofuscado também pela pandemia, Ventura não conseguiu conquistar todo o espaço mediático que conseguiria obter, e tal também terá algumas repercussões, dada a ainda grande importância do foco televisivo.

A candidatura de Ana Gomes surgiu de forma controversa, e assim tem seguido. Mesmo não conseguindo mobilizar apoio da maior parte da ala moderada do Partido Socialista, nem tampouco da maior parte dos seus militantes, Ana Gomes decidiu avançar. Havia recuperado muito protagonismo com o seu comentário político televisivo (e Marcelo marcou aqui uma tendência que parece já se começar a afigurar até para as eleições de 2026), do qual não abdicou – o que, francamente, lhe confere uma vantagem desleal para com os outros candidatos, enquanto coloca em causa toda a razão ser de um bom espaço de comentário político. De outra forma, à semelhança de Ventura, acabaria por ter menos “palco” que aquele que esperaria. Ana Gomes não conseguiu surgir como uma figura capaz de promover maior união na Esquerda - quer pela habitual fragmentação da mesma nas eleições presidenciais, quer pelo interesse que parte da sua própria família política também terá na eventual reeleição de Marcelo. Em cima disto, Ana Gomes decidiu fazer de Ventura o seu principal visado, o que fez com que as suas possibilidades de vitória fossem ainda menores. Isto representa uma má estratégia eleitoral, visto que seria plausível considerar que Ana Gomes e Ventura disputariam algum eleitorado que, possivelmente ideologicamente indefinido, poderia ser movido por insatisfação com Marcelo. Se é certo que, assim sendo, faria todo o sentido atacar Ventura, tal já não se justifica quando toma as proporções que Ana Gomes decidiu dar. Deixa de ser plausível conquistar votos dos “desencantados” com Marcelo, se Marcelo não for o seu principal visado. Além disso, a política é feita através da definição de patamares. Quanto menor e menos ambicioso for o patamar escolhido para combater politicamente, menor poderá também ser o destaque dado, mesmo a alguém com lugar assegurado nas televisões nacionais. Além disso, os próprios ataques de Ana Gomes são, francamente, infelizes, permitindo um maior ataque à própria candidata do que àqueles que ela tenta atacar. Ana Gomes decidiu fazer de um dos seus pontos de campanha algo que não é da competência do Presidente da República e, inclusive, representa um atropelo ao princípio da separação de poderes. Não é estrategicamente inteligente avançar com soundbites sobre propor a ilegalização do Chega, quando o seu principal adversário, que deveria ser Marcelo, permite uma disputa de votos entre Gomes e Ventura. Isto porque: é plausível que Ana Gomes competisse por algum eleitorado contra Ventura, dado o seu foco ao tema da corrupção, comummente realizado também por André Ventura. Ao colocar uma posição tão vincada - e que, repito, se sobrepõe a uma prática democrática importante – sobre um tema que não era essencial para esta campanha, Ana Gomes acaba por alienar a parte do eleitorado que deveria chamar a si.

Algo que não antevi no texto que serve como ponto inicial para este, é relativo aos restantes candidatos que se viriam a oficializar. Assim, incluirei uma breve reflexão sobre estes:

Incluirei Marisa Matias e João Ferreira no mesmo espaço, de forma a fazer considerações finais que se adequam aos dois. Marisa Matias assume-se já como uma quase crónica candidata a Belém, mas que aparenta apresentar algumas dificuldades em definir-se ideologicamente, como se tal estivesse sequer em cima da mesa, o que, provavelmente, mais demonstrará falta de estratégia eleitoral, do que propriamente alguma verdadeira ambiguidade ideológica sua. Esta candidatura peca por isso mesmo, visto que parte do seu possível eleitorado acaba por poder ser aliciado por Ana Gomes, deixando Marisa Matias sem grande espaço de manobra; por sua vez, João Ferreira representa uma melhoria em termos de seleção de candidatos do PCP, face à escolha de 2016. Ainda assim, João Ferreira não pode ser visto como um bom candidato, dado o seu pouquíssimo protagonismo em termos de política nacional. A sua inexperiência, aos olhos da Opinião Pública, não representa qualquer tipo de “vantagem” para o cargo de Chefe de Estado – a título de curiosidade, no texto a que me refiro desde o início, abordei, precisamente, alguma possibilidade de movimentação por parte do PCP, lançando o nome de Jerónimo de Sousa, numa espécie de “última batalha”, assumindo que o secretário-geral comunista deixaria o seu posto partidário em 2021. Tal não aconteceu, como nos relembramos do último congresso do PCP; Por fim, a nota final em torno de Marisa Matias e João Ferreira: ambos são eurodeputados desde 2009, significando que estão afastados dos palcos nacionais há mais de uma década. Ora, sabendo que, muitas vezes, os lugares candidatos ao Parlamento Europeu são vistos como um “mal menor” (dada a natureza das eleições europeias serem de segunda ordem), não me parece sequer justificável que seja daqui que surjam as escolhas para candidaturas presidenciais.

Pela primeira vez, teremos um candidato presidencial apoiado pela IL. Parece-me uma boa estratégia (em termos do seu projeto) dar a conhecer novos e variados atores políticos que defendam a mensagem deste partido, que ainda está em fase de desenvolvimento e maturação. Desta forma, mesmo que até pudesse não corresponder à realidade, a perceção geral será de um projeto em constante crescimento, dada a continuidade de caras novas a serem apresentadas nos diferentes momentos eleitorais. Tiago Mayan foi, assim, a escolha. No entanto, dar a conhecer um indivíduo quase que a partir da “estaca zero” pode ser trabalho árduo e pouco frutífero (salvo algum fenómeno inexplicável que possa acontecer). Além do mais, ainda que o rótulo de “não-político” possa ser tentador, nestes tempos que correm, a falta de experiência política também não representa, por si mesma, qualquer tipo de vantagem.

Por fim, em relação aos candidatos presidenciais, deixarei uma breve nota sobre a candidatura de Vitorino Silva: mesmo podendo ser uma candidatura de difícil reconhecimento (seja nos parâmetros que cada um quiser utilizar), a verdade é que, excluir este candidato dos debates televisivos seria/será um tiro nos pés, por parte dos órgãos de comunicação social. Certo que estes também fazem o seu trabalho de forma a conjugar aquilo que seja do interesse público, aquilo que eles compreendam ser mais “noticiável” e com aquilo que seja mais proveitoso para o seu modelo de negócio. Não vejo mal nisso. No entanto, penso que, se o objetivo for fazer um trabalho realmente prestável e sério em termos jornalísticos, não se deve escolher quem entra ou não nos debates. Os candidatos devem conseguir ter oportunidade de se dirigirem aos eleitores. E estes que retirem as suas ilações e que atribuam mais atenção aos que assim entenderem. A partir daí, nada a apontar.

Concluo este texto, referindo que, pessoalmente, estas eleições presidenciais não têm sido, minimamente, entusiasmantes. Certo que a realidade relacionada com o Covid ofusca aquilo que poderia ser o destaque a estas eleições – francamente, com este leque de candidatos, também não me parece, minimamente, que mais atenção mediática fosse resultar em maior qualidade (aí, o defeito está mesmo nos candidatos) - e que ainda teremos vários debates presidenciais ao longo do mês de janeiro. No entanto, a vitória de Marcelo Rebelo de Sousa é inquestionável (salvo outro tipo de fenómeno inexplicável) e, de resto, entre candidatos com alto pendor de populismo e candidatos cuja relevância política é, no mínimo, questionável, fica o desalento.

 

Filipe S. Fernandes